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18/01/2010

Zilda Arns - "Quem olha e vê, sai de si "



A ÚLTIMA PREGAÇÃO
Escombros da Igreja Sacré Coeur de Tugeau, em cuja casa paroquial Zilda Arns proferiu uma palestra antes de morrer



Fundadora da Pastoral da Criança, a médica Zilda Arns dedicou a existência a minorar o sofrimento dos despossuídos e a evitar o desperdício da vida. Até o último minuto.
Nos anos 80, por sugestão de dom Paulo, a pediatra e sanitarista aceitou formular um projeto para disseminar o uso do recém-criado soro caseiro, aproveitando a imensa influência da Igreja Católica entre os pobres, e com isso combater o flagelo da mortalidade infantil. Assim nasceu a Pastoral da Criança, um projeto tão singelo na sua concepção quanto na execução. Consistia em identificar, nas paróquias e comunidades católicas, lideranças que treinariam voluntárias para ensinar mães pobres a adotar o soro. Essa e outras medidas igualmente simples ajudariam a evitar que seus filhos morressem de diarreia, desidratação, contaminação e outros males fáceis de vencer com quase nada de dinheiro e um pouco de informação. O local escolhido para iniciar o trabalho foi a pequena Florestópolis, no Paraná. Lá, a mortalidade infantil era tão alta que, no único cemitério existente, o número de cruzes de tamanho pequeno, que sinalizavam os túmulos de crianças, superava em muito o de cruzes grandes. Depois do trabalho da Pastoral, a taxa de mortalidade baixou de 127 óbitos em cada 1 000 crianças nascidas vivas para 28. A partir daí, o programa foi sendo exponencialmente replicado até alcançar 72% do território nacional, além de vinte países na América Latina, África e Ásia.

Ao longo dos 25 anos em que esteve à frente da Pastoral da Criança, Zilda Arns visitou os cantos mais remotos do Brasil. Aterrissou em um sem-fim de aeroportos, fez travessias em barcos precários e sacolejou de ônibus por estradas que eram mais buraco do que chão. Seus olhinhos azuis sempre radiantes se acostumaram a ver a pobreza extrema e seu corpo forte se habituou à contenção e à precariedade:


" Amar é acolher, amar é compreender ,
amar é fazer o outro crescer"
Zilda Arns


Zilda Arns tinha 75 anos, um terço dos quais consagrados aos despossuídos e à tarefa de celebrar o caráter sagrado da vida – o que ela fez em cada uma das infinitas vezes em que ajudou a evitarseu desperdício.

Com gestos miúdos, persistência de formiga e fé colossal, construiu uma epopeia silenciosa que mudou a face do Brasil e o destino de milhões de pessoas.



Texto adaptado Revista VEJA - Edição 2148 / 20 de janeiro de 2010


Profª Célia Armani